| A Biblioteca Itinerante da Biblioteca Municipal de Mirandela foi um projecto que nasceu em Fevereiro de 1987, depois da extinção do serviço de bibliotecas itinerantes da  Fundação Calouste Gulbenkian.
 "A Maria João adora os livros da Anita. Já o Samuel e o Francisco preferem os  do Tintim. A Lara escolheu o livro Chicken Little, para comparar ao filme, que  viu recentemente. Mas em comum, estas quatro crianças têm o fornecedor dos  livros que lêem: a Biblioteca Itinerante de Mirandela.
 Em Vale de Gouvinhas, a primeira paragem do dia, o ambiente era de expectativa já  que mal as crianças viram a carrinha pelo vidro da janela, saíram logo três a  correr. Não é este o número de alunos daquela escola, mas a professora opta por  fazer sair em grupos, para não criar confusão na biblioteca. A escola do  primeiro ciclo é mais uma que está condenada a fechar no próximo ano lectivo. Os  11 alunos não chegam para a manter dentro dos requisitos mínimos de  funcionamento, apesar das boas condições. Diz-se até que só não fechou no actual  ano lectivo por pressão do presidente da Junta. O encerramento da escola não é  compreendido por Cátia, uma das primeiras a chegar e das mais rápidas a escolher  o livro para as próximas duas semanas. Diz que não sabe o motivo do  encerramento, mas tem a certeza que vai ter de se por a pé mais cedo: “Talvez à  hora da irmã que se levanta às seis e meia”, revela com as sobrancelhas a  revelarem alguma preocupação. O livro escolhido por Cátia tem “um título  comprido”, garante: “Era uma vez uma ilha onde as criança construíram a escola  nova”. Os nove anos de Cátia dariam para ela andar no terceiro ano, mas atrasou  um. Mora em Vale Maior, e garante que lê os livros todos que leva.
 Mal sabem o  senhor Beça, o motorista da carrinha, e Margarida Gomes, a bibliotecária, que o  dia da visita é especial na escola de Vale de Gouvinhas: é o aniversário de  Samuel, que completa nove anos. Está feliz, apesar de não ter bolo para  comemorar com os restantes dez colegas de escola. Pega num livro do Tintim e diz  que é aquele, porque os outros já leu: “A Ilha Negra”, que vai demorar três dias  a ser lido, como os outros. O Francisco também escolheu o Tintim para companhia  de leituras. O motivo são os desenhos. Só gosta de livros com desenhos. Chicken  Little também tem muitos desenhos, mas não é por isso que Lara escolheu o livro  que conta a história de um pequeno pintainho: “Vi o filme e agora quero ler o  livro”, explica. Nove das crianças da escola de Vale de Gouvinhas levaram livros  desta vez. Dois alunos não o fazem porque ainda estão no primeiro ano, o que não  chega para as aventuras da leitura, explica a professora Maria da Graça Garcia,  que pede quase sempre uma ficha de leitura sobre cada livro aos alunos. Ajuda-os  a compreender a história. “É de lamentar que não chegue a todo o lado”,  acrescenta a professora de onze alunos que para Setembro vai mudar de escola  porque aquela vai encerrar.
    A Vale de Gouvinhas segue Vale de Telhas. Não tem escola, mas à espera está  um adulto, porque a Biblioteca Itinerante serve todos os que pretenderem ler. A  utente daquela aldeia é Fernanda Ruivo, uma devoradora de livros de história.  Leva sempre cinco ou seis de cada vez. Sobretudo os que falam de D. Afonso  Henriques, uma espécie de herói de Fernanda. Não fosse ela a responsável pela  detenção de dois assaltantes a um banco de Valpaços, à coisa de dois anos atrás.  Enquanto Fernanda escolhe, altura para uma conversa mais alongada com o senhor  Beça e Margarida Gomes. As duas pessoas que todos os dias úteis da semana  percorrem a periferia do concelho de Mirandela para levar histórias e sonhos a  dezenas de crianças.
 O senhor Beça já faz isto há pelo menos cinco anos. E como  gosta de falar com os miúdos, prefere este trabalho a qualquer outro. O mesmo se  passa com Margarida Gomes. Mas esta técnica de bibliotecas tanto gosta de ficar  numa biblioteca fixa, como nesta itinerante. Ambos referem que do ano lectivo  anterior para este houve uma grande diminuição de escolas e aldeias abrangidas.  Cenário que se irá repetir talvez para Setembro, quando mais escolas do primeiro  ciclo não chegarem a abrir portas. Mas, agora chegam a outros lados que não  chegavam. O exemplo disso é a vila de Torre Dona Chama, onde meio ano depois de  iniciado o ano lectivo ainda estão a fazer cartões de eleitor para as crianças.  “Há uma vantagem, é que depois na Torre vamos apanhar crianças de outros  concelhos. Apanhamos de Vinhais e de Macedo, que são crianças daquela zona  limítrofe que foram para a Torre estudar”, conta Margarida Gomes.
 Todas as  sextas de manhã vão a Torre Dona Chama. De não abrangida, passou a ser o lugar  de visita mais assídua: todas as semanas, enquanto os outros locais é apenas de  duas em duas semanas. Assim, arranjaram mais leitores. Altura para Margarida  Gomes fazer a ficha para os livros que Fernanda Ruivo já escolheu. Mais uma vez  todos de história. Mas frisa que ainda não sabe a história de Portugal. À  pergunta de como consegue ler tanto, Fernanda responde que lê muito: “Leio de  noite e de dia”. Só tem pena quando a biblioteca passa e ele não está em casa, o  que representa duas semanas sem livros novos para aprender.
 A paragem de Vale de  Telhas está concluída, segue-se Vale de Salgueiro. Uma pausa mais longa, já que  aquela aldeia para além de escola do primeiro ciclo, também tem pré-primária.  Não sabem ler, mas têm livros próprios para eles aprenderem com as imagens. Na  terceira paragem da parte de manhã os primeiros a chegar são o Tiago - que  demora três dias a ler cada livro - e a Maria João - que não gosta de livros com  mais de 20 páginas. Mas o resto da manhã é preenchido por utentes jovens.  Crianças ainda. São eles talvez a razão principal da existência deste serviço  itinerante da Câmara de Mirandela, mas começam cada vez mais a aparecer adultos  que procuram a companhia de um livro. Alguns deles, atira o senhor Beça, já  muito idosos que mal conseguem ler, como eles próprios lembram ao motorista da  carrinha.
    Das 34 aldeias abrangidas, há algumas características pela ausência de  escola, e por terem adultos interessados na leitura. “Alvites tem adultos que  gostam de ler. Por isso, mesmo depois do encerramento da escola continuamos a lá  ir. Paradela e Vale de Lagoa são outros casos em que só adultos vêem buscar  livros”, explica o senhor Beça. Navalho e Franco também têm adultos leitores e o  caso que hoje demos a conhecer: Vale de Telhas. A carrinha promete continuar,  apesar dos muitos anos que leva de rodagem. Ficou ao serviço da Câmara de  Mirandela depois de servir a Gulbenkian, o que já perfaz mais de dez anos. Vai  todos os anos à revisão, mas mais dia, menos dia vai precisar de substituta. No  entanto, continua bem preparada já que apesar de algumas más estradas do  concelho, os livros de que todos gostam não caem das prateleiras."
 Fonte: Jornal regional - 1-3-007
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